Mãe Preta
Primavera de 1900. Numa fazenda próxima a um pacato vilarejo, nasciam duas meninas que teriam destinos muito diferentes e ao mesmo tempo muito próximos. A primeira delas viria a tornar-se a Dona Catarina, minha avó materna. A outra era a Suzana, filha de uma ex-escrava da fazenda, criada dentro da casa grande.
Foram criadas juntas. Durante a infância e adolescência, cresceram felizes como duas grande amigas. Vovó foi criada pra ser a esposa de alguém e cumpriu com o seu papel. Casou-se aos 18 anos com o vô Herculano, filho de um comerciante da capital, para onde se mudou desde então.
Suzana permaneceu na fazenda até a morte de sua mãe em 1920. Mas alguns anos antes de morrer, revelou a jovem Suzana o grande segredo de sua vida: Fora durante toda a vida amante de meu bisavô e ela seria fruto deste amor proibido.
A vó Catarina e Suzana guardaram o segredo durante muitos anos, até a morte do pai delas. Quando minha vó teve o primeiro filho, Suzana veio para a capital ajudá-la e aqui permaneceu até falecer. A história só veio à tona depois do fim da Segunda Guerra.
A suspeita sobre a paternidade de Suzana sempre foi assunto nas conversas de bastidores da família. Suzana havia incovenientemente herdado os olhos do vô Jerônimo. Uma linda negra dos olhos azuis. Mas o assunto era tabu e, por isto mesmo, restrito às conversas secundárias.
Suzana casou-se aos 40 anos. Ficou viúva dois anos depois e herdou de seu falecido marido alguns imóveis e uma boa pensão. Voltou a morar então com a vó Catarina, sua meia irmã. Ajudou na criação de duas gerações da família.
Gostava de jóias e boas roupas. Era metida a danada. Tinha status de membro da família e ao mesmo tempo era uma espécie de governanta, mas sem salário. Era ela quem cuidava das compras da casa e ajudava vovó a receber nos jantares que costumava oferecer.
Quando vovó morreu na década de 70, Suzana foi morar lá em casa.
Nesta época, já era do conhecimento de todos que era irmã de minha vó. Mas isso não mudou nada para todos nós. Sempre fora da família.
Apesar da idade avançada, Suzana era muito lúcida e forte. Gostava de contar histórias antigas, destas que não existem nos livros, e que passam geração após geração só no boca-a-boca. Eu adorava. Não me esqueço das minhas favoritas: A do "Surrão", a do "Caçador e seu Filho" e a história do "Bicho Manjaléu". Sempre me chamava de "meu filho branco" e eu a chamava de "minha neguinha". Eu gostava de dormir na cama da Suzana, e é para onde eu sempre ia quando acordava assustado à noite. Ela adorava dançar. Freqüentava os bailes da terceira idade e tinha muitas amigas.
Em setembro de 1995, fomos todos visitar a velha fazenda da família, hoje propriedade do irmão de minha mãe. Suzana parecia tão familiarizada, como se nunca tivesse saído dali. Mostrou-nos onde ficava seu quarto e de sua mãe nos fundos da casa e os quartos de cada membro da família. Revelou-nos histórias que sua mãe lhe confidenciara dos tempos da escravidão. À noite, todos sentamos a lareira para ouvi-la contar suas histórias assustadoras. Fizemos um grande silêncio para ouvir sua narração. Um must.
Suzana morreu aos 95 anos, dois meses depois, dormindo, discreta como sempre fora.
Ontem a tarde, como sempre faço no dia das mães, levei flores para ela. Eu e minha mãe. Seu túmulo é vizinho ao de vovó, que não conheci. E enquanto mamãe acendia uma vela e depositava flores para ela e vovó, eu olhava atentamente para a foto da Suzana na lápide e lembrava dos tempos bons que passamos. Tempos insubstituíveis.
Não acredito na vida após a morte, e não acredito que Suzana possa me ver. Mas gosto deste ritual anual porque faz aquecer meu coração com boas lembranças. E Suzana está entre as melhores que tenho.
Foram criadas juntas. Durante a infância e adolescência, cresceram felizes como duas grande amigas. Vovó foi criada pra ser a esposa de alguém e cumpriu com o seu papel. Casou-se aos 18 anos com o vô Herculano, filho de um comerciante da capital, para onde se mudou desde então.
Suzana permaneceu na fazenda até a morte de sua mãe em 1920. Mas alguns anos antes de morrer, revelou a jovem Suzana o grande segredo de sua vida: Fora durante toda a vida amante de meu bisavô e ela seria fruto deste amor proibido.
A vó Catarina e Suzana guardaram o segredo durante muitos anos, até a morte do pai delas. Quando minha vó teve o primeiro filho, Suzana veio para a capital ajudá-la e aqui permaneceu até falecer. A história só veio à tona depois do fim da Segunda Guerra.
A suspeita sobre a paternidade de Suzana sempre foi assunto nas conversas de bastidores da família. Suzana havia incovenientemente herdado os olhos do vô Jerônimo. Uma linda negra dos olhos azuis. Mas o assunto era tabu e, por isto mesmo, restrito às conversas secundárias.
Suzana casou-se aos 40 anos. Ficou viúva dois anos depois e herdou de seu falecido marido alguns imóveis e uma boa pensão. Voltou a morar então com a vó Catarina, sua meia irmã. Ajudou na criação de duas gerações da família.
Gostava de jóias e boas roupas. Era metida a danada. Tinha status de membro da família e ao mesmo tempo era uma espécie de governanta, mas sem salário. Era ela quem cuidava das compras da casa e ajudava vovó a receber nos jantares que costumava oferecer.
Quando vovó morreu na década de 70, Suzana foi morar lá em casa.
Nesta época, já era do conhecimento de todos que era irmã de minha vó. Mas isso não mudou nada para todos nós. Sempre fora da família.
Apesar da idade avançada, Suzana era muito lúcida e forte. Gostava de contar histórias antigas, destas que não existem nos livros, e que passam geração após geração só no boca-a-boca. Eu adorava. Não me esqueço das minhas favoritas: A do "Surrão", a do "Caçador e seu Filho" e a história do "Bicho Manjaléu". Sempre me chamava de "meu filho branco" e eu a chamava de "minha neguinha". Eu gostava de dormir na cama da Suzana, e é para onde eu sempre ia quando acordava assustado à noite. Ela adorava dançar. Freqüentava os bailes da terceira idade e tinha muitas amigas.
Em setembro de 1995, fomos todos visitar a velha fazenda da família, hoje propriedade do irmão de minha mãe. Suzana parecia tão familiarizada, como se nunca tivesse saído dali. Mostrou-nos onde ficava seu quarto e de sua mãe nos fundos da casa e os quartos de cada membro da família. Revelou-nos histórias que sua mãe lhe confidenciara dos tempos da escravidão. À noite, todos sentamos a lareira para ouvi-la contar suas histórias assustadoras. Fizemos um grande silêncio para ouvir sua narração. Um must.
Suzana morreu aos 95 anos, dois meses depois, dormindo, discreta como sempre fora.
Ontem a tarde, como sempre faço no dia das mães, levei flores para ela. Eu e minha mãe. Seu túmulo é vizinho ao de vovó, que não conheci. E enquanto mamãe acendia uma vela e depositava flores para ela e vovó, eu olhava atentamente para a foto da Suzana na lápide e lembrava dos tempos bons que passamos. Tempos insubstituíveis.
Não acredito na vida após a morte, e não acredito que Suzana possa me ver. Mas gosto deste ritual anual porque faz aquecer meu coração com boas lembranças. E Suzana está entre as melhores que tenho.
6 COMENTÁRIOS:
Me explica uma coisa?
Como uma pessoa ordinária igual vc pode escrever algo assim, que me faz chorar?
Puto...
Beijão, lindo...
Mantler,
Que história linda...
=) Adorei lê-la.
Um abraço querido!
Ricardo, linda história. Amei saber... minha bisavó também foi escrava, não conheci nem ela nem a minha avó. Elas também possuem histórias lindas que eu conto qualquer dia desses lá no meu blog. É impressionante como você consegue fazer a gente lembrar de coisas tão boas, como histórias do passado. Beijos!
História muito delicada e linda. Fico imaginando quantas famílias brasileiras teriam histórias semelhantes pra contar. Pelo menos a da Suzana teve um final feliz.Lindo...
Realmente é bom saber que mais alguém está vendo Jericho. Já me animo a escrever mais posts sobre o assunto, visto que alguém vai entender e vai poder opinar.
Obrigado pela visita.
abs
Linda história, Rico... cheia de detalhes e de significados... parabéns por nos brindar com essa pérola!
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